segunda-feira, 21 de julho de 2014

Meu ideal seria escrever....

Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse - "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria - "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.

Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse - e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aqueles pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse - "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!". E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.

E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago - mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina".

E quando todos me perguntassem - "mas de onde é que você tirou essa história?" - eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um sujeito contar uma história...".

E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.


A crônica acima foi extraída do livro "A traição das elegantes", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1967, pág. 91.



quinta-feira, 17 de julho de 2014

O tempo e a postagem

De que adianta ter no caderno todos os textos, prontos para serem repensando enquanto se digita?
Do que adianta parar para escrever, se não dá tempo de parar para digitar?
Complicado. Esse mesmo, escrevo enquanto esquento a comida, procuro a roupa, xeroco um mapa de luz, busco fotos no celular e escuto música. Realmente... Complicado... Mas o melhor de toda essa complicação, é que apesar da falta dele, ainda consigo cumprir o que preciso com excelência, agora só me basta não procurar outras tarefas. Outros afazeres. Antes que não sobre tempo nem para terminar de digi.... Eita! Telefone tocando.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Aprendizagens da Vida

Capítulo de hoje: Aprendizagens da Vida!

Ontem, voltando do hospital com mamys, que está em processo pré-cirúrgico, entra um senhor na lotação:
"Boa Noite!" - Ninguém respondeu!
Ele insisti - "Boa Noite. Por educação, me olhem e falem comigo". Não consegui notar se alguém respondeu, eu apenas o ouvia e não conseguia ver a sua face.
Ele, por sua vez, começa a falar e, embora alguns o ouvia ou apenas o escutava, acredito que nenhuma pessoa, ou talvez uma, o direcionava o olhar.
Ele dizia que um dia teve uma casa, era farmacêutico e se não me engano, tinha formação em Matemática, ou entendia muito sobre o assunto... Falava muito! Sobre muitas coisas...

As pessoas foram descendo da lotação e ele se senta. Direciona o olhar pra mim e começa a falar, repete as mesmas coisas e diz que é muito emotivo. Se lembra de uma situação de sua vida, em que se despede de sua mãe - ele chora - Lembra do gesto que tanto fazia sentido em sua infância, mesmo gesto que executou no enterro de sua mãe.
Seu discurso era confuso, parecia beirar a loucura, parecia ter ingerido um pouco de álcool, mas era um ser bem lúcido. Em minha mediocridade de ser um humano, senti vontade em não olhá-lo mais, porém, era a única pessoa que o dava atenção. Pensei - por que eu queria não olhar para aquele homem? Por que as pessoas que ali estavam não o olhavam?
Continuei a escutar - "Eu já fui da classe média alta. Mas eu vou te dizer, eu não gosto de gente rica. O pobre é o que mais doa, pode ser o que for, um prato de farinha que seja" - em meio á uma fala ou outra, ele se lembra de uma música do Roberto Carlos. Canta! E continua - "Eu nunca roubei uma agulha que fosse. Na verdade, esta semana roubei sim, roubei uma flor, uma flor para a minha amada. Por que eu também amo. Me perguntaram se valia á pena, roubar uma flor e respondi 'tudo vale á pena quando se ama'. Eu amo, eu sou um apaixonado! Ontem, uma mulher me disse que eu era um fedido, mas hoje não estou fedendo, eu tomei banho e até troquei de roupa, olha, consegui até fazer a minha barba. Eu não estou fedendo mais... Eu não estou fedendo mais... Eu passo muita fome ás vezes... Eu só quero voltar a fazer parte da sociedade. Desta sociedade. Eu sou a sociedade, mas hoje, eu não faço parte dela".

Então, levantou-se e deu o sinal! Olhou-me e disse "Vá com Deus minha filha e obrigado por me ouvir!"

Eu queria perguntar tanta coisa. Como aquele senhor chegou naquela situação? Que vida aquele homem teve? Qual vida aquele homem tem?

Mas, apenas respondi - "Vá com Deus também" e fiz um gesto de agradecimento.

Comecei a pensar o quanto aquele senhor me fez refletir - um homem que parece ter parte de sua dignidade pautada em um banho. Um 'simples' banho e uma barba feita. "Eu só quero voltar a fazer parte da sociedade" - essas palavras ficaram gravadas em meu coração.

Começo a me questionar, POR QUE AQUELE HOMEM? POR QUE EU? O que me diferencia daquele senhor? Parece um espelho... Um espelho que muitas vezes permanece na escuridão, por não querermos enxergar o que é desconfortável, o que causa náusea, angústia, medo... Sim, eu tenho muito daquele homem. Mal sabe ele, que também busco este lugar na sociedade... Talvez a minha busca seja um pouco 'menos desconfortável', ou talvez 'mais alienada'. Talvez a sua busca seja 'mais livre', ou 'menos fácil', enfim... Aquele homem é uma parte de quem sou.

Sei que muitos não lerão, por conta do tamanho do texto. Mas, me ative aos detalhes e compartilho por acreditar que esta minha vivência, depois de tudo o que venho buscando, pode servir de reflexão para a existência de muita gente.

Um banho! Um lugar na sociedade! Um homem que ama...

Scheila Leandro