terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O novo não se sustenta

Eu só posso ansiar pelo novo quando,
antes de tudo,
sou terra arada, limpa, nova.

Só inauguro o novo quando o novo já instalou-se em mim.

Processo de reconhecimento...
Árduo, demorado, intransponível.

Sê, antes, o próprio anseio.
Inaugure-se ao receber o novo.

O que sustenta o novo, é você.

                                                                       Anna Beatriz



quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O exercício da Crônica

Escrever prosa é uma arte ingrata. Eu digo prosa fiada, como faz um cronista; não a prosa de um ficcionista, na qual este é levado meio a tapas pelas personagens e situações que, azar dele, criou porque quis. Com um prosador do cotidiano, a coisa fia mais fino. Senta-se ele diante de sua máquina, acende um cigarro, olha através da janela e busca fundo em sua imaginação um fato qualquer, de preferência colhido no noticiário matutino, ou da véspera, em que, com as suas artimanhas peculiares, possa injetar um sangue novo. Se nada houver, resta-lhe o recurso de olhar em torno e esperar que, através de um processo associativo, surja-lhe de repente a crônica, provinda dos fatos e feitos de sua vida emocionalmente despertados pela concentração. Ou então, em última instância, recorrer ao assunto da falta de assunto, já bastante gasto, mas do qual, no ato de escrever, pode surgir o inesperado.

Alguns fazem-no de maneira simples e direta, sem caprichar demais no estilo, mas enfeitando-o aqui e ali desses pequenos achados que são a sua marca registrada e constituem um tópico infalível nas conversas do alheio naquela noite. Outros, de modo lento e elaborado, que o leitor deixa para mais tarde como um convite ao sono: a estes se lê como quem mastiga com prazer grandes bolas de chicletes. Outros, ainda, e constituem a maioria, "tacam peito" na máquina e cumprem o dever cotidiano da crônica com uma espécie de desespero, numa atitude ou-vai-ou-racha. Há os eufóricos, cuja prosa procura sempre infundir vida e alegria em seus leitores e há os tristes, que escrevem com o fito exclusivo de desanimar o gentio não só quanto à vida, como quanto à condição humana e às razões de viver. Há também os modestos, que ocultam cuidadosamente a própria personalidade atrás do que dizem e, em contrapartida, os vaidosos, que castigam no pronome na primeira pessoa e colocam-se geralmente como a personagem principal de todas as situações. Como se diz que é preciso um pouco de tudo para fazer um mundo, todos estes "marginais da imprensa", por assim dizer, têm o seu papel a cumprir. Uns afagam vaidades, outros, as espicaçam; este é lido por puro deleite, aquele por puro vício. Mas uma coisa é certa: o público não dispensa a crônica, e o cronista afirma-se cada vez mais como o cafezinho quente seguido de um bom cigarro, que tanto prazer dão depois que se come.

Coloque-se porém o leitor, o ingrato leitor, no papel do cronista. Dias há em que, positivamente, a crônica "não baixa". O cronista levanta-se, senta-se, lava as mãos, levanta-se de novo, chega à janela, dá uma telefonada a um amigo, põe um disco na vitrola, relê crônicas passadas em busca de inspiração - e nada. Ele sabe que o tempo está correndo, que a sua página tem uma hora certa para fechar, que os linotipistas o estão esperando com impaciência, que o diretor do jornal está provavelmente coçando a cabeça e dizendo a seus auxiliares: "É... não há nada a fazer com Fulano..." Aí então é que, se ele é cronista mesmo, ele se pega pela gola e diz: "Vamos, escreve, ó mascarado! Escreve uma crônica sobre esta cadeira que está aí em tua frente! E que ela seja bem-feita e divirta os leitores!" E o negócio sai de qualquer maneira.

O ideal para um cronista é ter sempre uma os duas crônicas adiantadas. Mas eu conheço muito poucos que o façam. Alguns tentam, quando começam, no afã de dar uma boa impressão ao diretor e ao secretário do jornal. Mas se ele é um verdadeiro cronista, um cronista que se preza, ao fim de duas semanas estará gastando a metade do seu ordenado em mandar sua crônica de táxi - e a verdade é que, em sua inocente maldade, tem um certo prazer em imaginar o suspiro de alívio e a correria que ela causa, quando, tal uma filha desaparecida, chega de volta à casa paterna.



segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Os 5% que fazem a diferença

Tínhamos uma aula de Fisiologia na escola de medicina logo após a semana da Pátira. Como a maioria dos alunos havia viajado paroveitando o feriado prolongado, todos estavam ansiosos para contar as novidades aos colegas e a excitação era geral.

Um velho professor entrou na sala e imediatamente percebeu que iria ter trabalho para conseguir silêncio. Com grande dose de paciência tentou começar a aula, mas você acha que minha turma correspondeu? Que nada. Com um certo constrangimento, o professor tornou a pedir silêncio educadamente. Não adiantou, ignoramos a solicitação e continuamos firmes na conversa. Foi aí que o velho professor perdeu a paciência e deu a maior bronca que eu já presenciei.

Veja o que ele disse: -“Prestem atenção porque eu vou falar isso uma única vez”, disse, levantando a voz e um silêncio carregado de culpa se instalou em toda a sala e o professor continuou. -“Desde que comecei a lecionar, isso já faz muitos anos, descobri que nós professores, trabalhamos apenas 5% dos alunos de uma turma.

Em todos esses anos observei que de cada cem alunos, apenas cinco são realmente aqueles que fazem alguma diferença no futuro; apenas cinco se tornam profissionais brilhantes e contribuem de forma significativa para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Os outros 95% servem apenas para fazer volume, são medíocres e passam pela vida sem deixar algo de útil. O interessante é que esta percentagem vale para todo mundo.

Se vocês prestarem atenção notarão que de cem professores, apenas cinco são aqueles que fazem a diferença; de cem garçons, apenas cinco são excelentes; de cem motoristas de táxi, apenas cinco são verdadeiros profissionais; e podemos generalizar ainda mais: de cem pessoas, apenas cinco são verdadeiramente especiais. É uma pena muito grande não termos como separar estes 5% do resto, pois se isso fosse possível, eu deixaria apenas os alunos especiais nesta sala e colocaria os demais para fora, então teria o silêncio necessário para dar uma boa aula e dormiria tranqüilo sabendo ter investido nos melhores. Mas, infelizmente não há como saber quais de vocês são estes alunos. Só o tempo é capaz da mostrar isso.

Portanto, terei de me conformar e tentar dar uma aula para os alunos especiais, apesar da confusão que estará sendo feita pelo resto. Claro que cada um de vocês sempre pode escolher a qual grupo pertencerá. Obrigado pela atenção e vamos à aula de...”. Nem preciso dizer o silêncio que ficou na sala e o nível de atenção que o professor conseguiu após aquele discurso. Aliás, a bronca tocou fundo em todos nós, pois minha turma teve um comportamento exemplar em todas as aulas de Fisiologia durante todo o semestre; afinal quem gostaria de espontaneamente ser classificado como fazendo parte do resto? Hoje não me lembro muita coisa das aulas de Fisiologia, mas a bronca do professor eu nunca mais esqueci. Para mim, aquele professor foi um dos 5% que fizeram a diferença em minha vida.

De fato, percebi que ele tinha razão e, desde então, tenho feito de tudo para ficar sempre no grupo dos 5%, mas, como ele disse, não como saber se estamos indo bem ou não; só o tempo dirá a que grupo pertencemos. Contudo, uma coisa é certa: se não tentarmos ser especiais em tudo o que fazemos, se não tentarmos fazer em tudo o melhor possível, seguramente sobraremos na turma do resto.


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Sou todo ouvidos

Fique atento: nunca se sabe de onde surgirá ou quando. Muito menos sabemos se está próximo ou perto. Em determinado momento, alguém pode simplesmente se aproximar. Conhecido. Superior. Colega. Desconhecido. Amigo. Parente. Parceiro. Sumido. Presente. Muitas vezes sem esperar nada, só tem uma necessidade: Falar. Tenha também única necessidade e disposição: Ouvir.

Falar é de Prata, mas o silêncio vale Ouro!

Perdido

Poxa! Perdi meu caderno de crônicas, caçei na casa inteira e nada daquele caderno. Solução?  Comprar outro caderno e começar a escrever e publicar em um espaço menor de tempo. Ou como agora: teve a ideia ja pública pelo cel (tecnologia tem que ser aproveitada).

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Futuro

"2012", "De volta para o futuro", "looper", "Efeito borboleta", são filmes onde as personagens vão livremente (ou forçadas) a ir e voltar no tempo.
De qualquer forma, esta impregnado do todas elas: suas ações, terão consequências. Boas ou ruins, mas terão.
Mesmo que você chegue no futuro e não se recorde o que te fez chegar lá, tome cuidado.
Mais uma coisa: as crianças e jovens, não são o futuro e sim o presente. Eu e você também somos o presente e não o futuro. Se assim fosse, nossos pais teriam acertado nas coisas que imaginaram para nós.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Jogo de Cintura

Será que jogo de cintura é o mesmo que andar na corda bamba e se assemelha a empurrar com a barriga?
Poxa, como é difícil escrever com ditados populares... mas, são ditados populares?
Caramba, estou me queimando tentando manter a pegada...
Vish...
Com gíria devo perder ainda mais pontos...
Melhor fechar por aqui, antes que comece a falar da cor do chão...


P.S.: Estava com a faca e o queijo na mão para escrever um bang da hora, mas aí o sono veio e olha no que deu. Melhor ir dormir.

Lapidar a pedra bruta

As pessoas precisam entender, devem saber e da nem vontade de falar sobre, por que é meio óbvio, mas vou ter que falar:
Você não vai começar no seu ramo, na sua vocação, na sua profissão, no seu relacionamento, na sua vida estourando no Norte, brilhando e reluzente, ou seja: Você não será de cara um diamante.
Vamos aos exemplos? Vamos, pois eles existem e pessoas gostam de exemplos:

Lemmy Kilmister é o vocalista e baixista do Motorhead, começou em uma banda porque o baixista havia faltado e depois como Roadie do Jimmy Hendrix;

Chica da Silva, escrava alforriada, casada, com 13 filhos, distinguiu-se por ter sido pública, intensa e duradoura, além de se envolver com um dos homens mais ricos da região durante o apogeu econômico;

Manoel de Barros, poeta conhecido nacional e internacionalmente, viveu na época da ditadura, ficou 10 anos preso, precisou morar fora do país (onde estudou muito), voltou, trabalhou no gado, agora somente escreve;

Peter Parker, super herói (homem aranha), mesmo sendo um super herói, precisa trabalhar, pagar contas, comprar remédios para sua tia e conquistar sua amada;

Foi preciso consciente ou inconscientemente, lapidar a pedra bruta, ir para a labuta, trabalhar, correr atrás, matar um leão por dia, passar noites em claro, estudar sozinho, fazer bicos, etc... Mas não precisa fazer isso carregando pedras, devemos levar sem sofrimento, pois além de ser para o nosso bem, no fim seremos diamantes.

sábado, 20 de setembro de 2014

O que eu posso fazer para que se dilate a Paz no mundo?

Se Deus é por nós, quem será contra nós?
Da mesma forma que Maria viveu no mundo, mas não era do nundo, nós devemos assim como a Mãe, não passar a nossa Vida no mundo sendo dele. Cada momento que pudermos orar, contemplar e meditar a grandeza do Amor de Deus a cada ato de nossas vidas para que, desta forma a paz possa se espalhar ao menos no nosso meio. E claro que ela se expandirá entre todos. Então acredito que o que posso fazer para trazer a paz, é orar independente da minha vocação e assim a Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Amor de Pai e a União do Espírito Santo junto da Intercessão de Nossa Rainha Virgem Maria reine no mundo.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Simples como água

Será que todo mundo entendo o nome do blog?
Caso não, eu respondo. Significa "A língua está na mesa".
A língua está ai para ser dita, falada, olhada, criticada, ditada, estalada, beijada, conquistada, conversada, dialogada, monologada (eu quis dizer para fazer monólogos, mas acredito que monologada não existe), ouvida, escutada, diversificada.
Simples como água.

Detentor

- O que eu detenho?
- Nós detemos muitas coisas, mas nem tudo que detemos é inteiramente nosso.
- Err...
- Mas não importa o que aconteça quero sempre deter algo comigo, mas nem tudo me pertence, mas acho que tenho a resposta pra isso, mas você pode me dar sua opinião também.
- Então...
- Mas não se esqueça do que te falei, mas saiba que sua fala ficará registrada.
- Sim, mas...
- Mas eu nasci antes de você, mas não se acanhe e me diga o que pensa, mas pode ser que te dê outro caminho.
- ...
- Mas você tem o livre arbítrio, mas vamos deixar esse assunto de lado e tomar um sorvete.
- Óti...
- Ah. Esquece. Não gosto de sorvete.

sábado, 13 de setembro de 2014

Loucura

"A beleza está nos olhos de quem vê" acredito que a loucura também está neste mesmo ditado popular e até mesmo naquele mais famoso e curto "São seus olhos" (e no momento nem lembro se realmente são ditados populares).
As pessoas (sem excessão) tem suas loucuras (públicas e particulares).
Uma pessoa abaixada (de cócoras pra ficar melhor a imagem na cabeça) ao lado da catraca no metro Tatuapé as 21:58 digitando no celular para alguns loucura, para outros está cansado ou simplesmente está abaixado ao lado da catraca no metro Tatuapé as 21:58 (agora já 21:59).
Loucura também pode ser tratada como toque, tique, acessos, excessos, frescuras, perfeccionismo, platonismo, romantismo, sono, traumas e tantos outros substantivos, adjetivos e verbos que podemos colocar (e outros termos da nossa língua portuguesa também encaixam).
Vou parar por aqui, porque acabo de ver dois garotos pulando a catraca e saindo correndo para pegar o próximo trem e nenhum guardinha se moveu pra fazer nada.
Eu hein... que loucura. (Agora de qual parte, não sei)

Não sei

Lendo o texto "Verbo Ser" de Carlos D. Andrade, lembrei da famosa frase de Shakespeare "Ser ou não ser? Eis a questão" e aí se responde: Não sei. E o não saber é uma boa resposta.
Não saber não é um erro, é simplesmente o ato de não saber. Não saber, faz com que procuremos saber. Não saber nos possibilita conhecer coisas novas. Não saber nos deixa (na maioria das vezes) sem aquela ansiedade de se alcançar algo.
Por outro lado, também podemos nos sentir incapazes de cumprir qualquer coisa. Até mesmo nos acomodar nesse "estado de vida" chamado "não sei". Pode acreditar: alguns abusam de ficar sem saber e caem em enrascadas, furadas, dão brecha... Entretanto, pode ter multifunções, profissões.... Aah!!! Quer saber?! Não sei.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Um caso de burro (Inspiração)

Penso ser interessante postar o texto (crônica) que me inspirou a escrever! (:
Então aqui está:

Quinta-feira à tarde, pouco mais de três horas, vi uma coisa tão interessante, que determinei logo de começar por ela esta crônica. Agora, porém, no momento de pegar na pena, receio achar no leitor menor gosto que eu para um espetáculo, que lhe parecerá vulgar, e porventura torpe. Releve a importância; os gostos não são iguais.

Entre a grade do jardim da Praça Quinze de Novembro e o lugar onde era o antigo passadiço, ao pé dos trilhos de bondes, estava um burro deitado. O lugar não era próprio para remanso de burros, donde concluí que não estaria deitado, mas caído. Instantes depois, vimos (eu ia com um amigo), vimos o burro levantar a cabeça e meio corpo. Os ossos furavam-lhe a pele, os olhos meio mortos fechavam-se de quando em quando. O infeliz cabeceava, mais tão frouxamente que parecia estar próximo do fim.

Diante do animal havia algum capim espalhado e uma lata com água. Logo, não foi abandonado inteiramente; alguma piedade houve no dono ou quem quer que é que o deixou na praça, com essa última refeição à vista. Não foi pequena ação. Se o autor dela é homem que leia crônicas, e acaso ler esta, receba daqui um aperto de mão. O burro não comeu do capim, nem bebeu da água; estava já para outros capins e outras águas, em campos mais largos e eternos.

Meia dúzia de curiosos tinham parado ao pé do animal. Um deles, menino de dez anos, empunhava uma vara, e se não sentia o desejo de dar com ela na anca do burro para esperta-lo, então eu não sei conhecer meninos, porque ele não estava do lado do pescoço, mas justamente do lado da anca. Diga-se a verdade; não o fez - ao menos enquanto ali estive, que foram poucos minutos. Esses poucos minutos, porém, valeram por uma hora ou duas. Se há justiça na Terra valerão por um século, tal foi a descoberta que me pareceu fazer, e aqui deixo recomendada aos estudiosos.

O que me pareceu, é que o burro fazia exame de consciência. Indiferente aos curiosos, como ao capim e à água, tinha no olhar a expressão dos meditativos. Era um trabalho interior e profundo. Este remoque popular: por pensar morreu um burro mostra que o fenômeno foi mau entendido dos que a princípio o viram; o pensamento não é a causa da morte, a morte é que o torna necessário. Quanto à matéria do pensamento, não há dúvidas que é o exame da consciência. Agora, qual foi o exame da consciência daquele burro, é o que presumo ter lido no escasso tempo que ali gastei. Sou outro Champollion, porventura maior; não decifrei palavras escritas, mas idéias íntimas de criatura que não podia exprimi-las verbalmente.

E diria o burro consigo: “Por mais que vasculhe a consciência , não acho pecado que mereça remorso. Não furtei, não menti, não matei, não caluniei, não ofendi nenhuma pessoa. Em toda a minha vida, se dei três coices, foi o mais, isso mesmo antes haver aprendido maneiras de cidade e de saber o destino do verdadeiro burro, que é apanhar e calar. Quando ao zurro, usei dele como linguagem. Ultimamente é que percebi que me não entendiam, e continuei a zurrar por ser costume velho, não com idéia de agravar ninguém. Nunca dei com homem no chão. Quando passei do tílburi ao bonde, houve algumas vezes homem moto ou pisado na rua, mas a prova de que a culpa não era minha, é que nunca segui o cocheiro na fuga; deixava-me estar aguardando autoridade.”

“Passando à ordem mais elevada de ações, não acho em mim a menor lembrança de haver pensado sequer na perturbação da paz pública. Além de ser a minha índole contrária a arruaças, a própria reflexão me diz que, não havendo nenhuma revolução declarado os direitos do burro, tais direito não existem. Nenhum golpe de estado foi dado em favor dele; nenhuma coroa os obrigou. Monarquia democracia, oligarquia, nenhuma forma de governo, teve em conta os interesses da minha espécie. Qualquer que seja o regímen, ronca o pau. O pau é a minha instituição um pouco temperada pela teima que é, em resumo, o meu único defeito. Quando não teimava, mordia o freio dando assim um bonito exemplo de submissão e conformidade. Nunca perguntei por sóis nem chuvas; bastava sentir o freguês no tílburi ou o apito do bonde, para sair logo. Até aqui os males que não fiz; vejamos os bens que pratiquei.”

“A mais de uma aventura amorosa terei servido, levando depressa o tílburi e o namorado à casa da namorada - ou simplesmente empacando em lugar onde o moço que ia no bonde podia mirar a moça que estava na janela. Não poucos devedores terei conduzido para longe de um credor importuno. Ensinei filosofia a muita gente, esta filosofia que consiste na gravidade do porte e na quietação dos sentidos. Quando algum homem, desses que chamam patuscos, queria fazer rir os amigos, fui sempre em auxílio deles, deixando que me dessem tapas e punhadas na cara. Em fim...”

Não percebi o resto, e fui andando, não menos alvoroçado que pesaroso. Contente da descoberta, não podia furtar-me à tristeza de ver que um burro tão bom pensador ia morrer. A consideração, porém, de que todos os burros devem ter os mesmos dotes principais, fez-me ver que os que ficavam, não seriam menos exemplares do que esse. Por que se não investigará mais profundamente o moral do burro? Da abelha já se escreveu que é superior ao homem, e da formiga também, coletivamente falando, isto é, que as suas instituições políticas são superiores às nossas, mais racionais. Por que não sucederá o mesmo ao burro, que é maior?

Sexta-feira, passando pela Praça Quinze de Novembro, achei o animal já morto.

Dois meninos, parados, contemplavam o cadáver, espetáculo repugnante; mas a infância, como a ciência, é curiosa sem asco. De tarde já não havia cadáver nem nada. Assim passam os trabalhos deste mundo. Sem exagerar o mérito do finado, força é dizer que, se ele não inventou a pólvora, também não inventou a dinamite. Já é alguma coisa neste final de século. Requiescat in pace.





Você...

... que faz e não vê.
... cobra o que não tem.
... cobra o que devia mudar.
... percebe nos outros o que não sabe que tem em si mesmo.
... busca resolver seu problema nos outros.
... não sabe que o erro do outro, é também o seu erro.
... trabalha pelos sonhos dos outros.
... trabalha o sonho dos outros, que é o mesmo que o seu.
... não trabalha no próprio sonho.
... se pergunta por que se pergunta.
... procura perguntas.
... não se responde (e nem responde).
... acha que quer mais do que consegue, mas consegue muito mais.
... deve saber: quem acha tem que devolver.
... que vai começar a ter uma opinião.
... que sabe que não será de uma hora para outra.
... que precisa continuar a pensar nas outras reticências, com um "eu" antes delas.
Eu...
Eu...
...
...
... não sei.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Meu ideal seria escrever....

Meu ideal seria escrever uma história tão engraçada que aquela moça que está doente naquela casa cinzenta quando lesse minha história no jornal risse, risse tanto que chegasse a chorar e dissesse - "ai meu Deus, que história mais engraçada!". E então a contasse para a cozinheira e telefonasse para duas ou três amigas para contar a história; e todos a quem ela contasse rissem muito e ficassem alegremente espantados de vê-la tão alegre. Ah, que minha história fosse como um raio de sol, irresistivelmente louro, quente, vivo, em sua vida de moça reclusa, enlutada, doente. Que ela mesma ficasse admirada ouvindo o próprio riso, e depois repetisse para si própria - "mas essa história é mesmo muito engraçada!".

Que um casal que estivesse em casa mal-humorado, o marido bastante aborrecido com a mulher, a mulher bastante irritada com o marido, que esse casal também fosse atingido pela minha história. O marido a leria e começaria a rir, o que aumentaria a irritação da mulher. Mas depois que esta, apesar de sua má vontade, tomasse conhecimento da história, ela também risse muito, e ficassem os dois rindo sem poder olhar um para o outro sem rir mais; e que um, ouvindo aquele riso do outro, se lembrasse do alegre tempo de namoro, e reencontrassem os dois a alegria perdida de estarem juntos.

Que nas cadeias, nos hospitais, em todas as salas de espera a minha história chegasse - e tão fascinante de graça, tão irresistível, tão colorida e tão pura que todos limpassem seu coração com lágrimas de alegria; que o comissário do distrito, depois de ler minha história, mandasse soltar aqueles bêbados e também aqueles pobres mulheres colhidas na calçada e lhes dissesse - "por favor, se comportem, que diabo! Eu não gosto de prender ninguém!". E que assim todos tratassem melhor seus empregados, seus dependentes e seus semelhantes em alegre e espontânea homenagem à minha história.

E que ela aos poucos se espalhasse pelo mundo e fosse contada de mil maneiras, e fosse atribuída a um persa, na Nigéria, a um australiano, em Dublin, a um japonês, em Chicago - mas que em todas as línguas ela guardasse a sua frescura, a sua pureza, o seu encanto surpreendente; e que no fundo de uma aldeia da China, um chinês muito pobre, muito sábio e muito velho dissesse: "Nunca ouvi uma história assim tão engraçada e tão boa em toda a minha vida; valeu a pena ter vivido até hoje para ouvi-la; essa história não pode ter sido inventada por nenhum homem, foi com certeza algum anjo tagarela que a contou aos ouvidos de um santo que dormia, e que ele pensou que já estivesse morto; sim, deve ser uma história do céu que se filtrou por acaso até nosso conhecimento; é divina".

E quando todos me perguntassem - "mas de onde é que você tirou essa história?" - eu responderia que ela não é minha, que eu a ouvi por acaso na rua, de um desconhecido que a contava a outro desconhecido, e que por sinal começara a contar assim: "Ontem ouvi um sujeito contar uma história...".

E eu esconderia completamente a humilde verdade: que eu inventei toda a minha história em um só segundo, quando pensei na tristeza daquela moça que está doente, que sempre está doente e sempre está de luto e sozinha naquela pequena casa cinzenta de meu bairro.


A crônica acima foi extraída do livro "A traição das elegantes", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1967, pág. 91.



quinta-feira, 17 de julho de 2014

O tempo e a postagem

De que adianta ter no caderno todos os textos, prontos para serem repensando enquanto se digita?
Do que adianta parar para escrever, se não dá tempo de parar para digitar?
Complicado. Esse mesmo, escrevo enquanto esquento a comida, procuro a roupa, xeroco um mapa de luz, busco fotos no celular e escuto música. Realmente... Complicado... Mas o melhor de toda essa complicação, é que apesar da falta dele, ainda consigo cumprir o que preciso com excelência, agora só me basta não procurar outras tarefas. Outros afazeres. Antes que não sobre tempo nem para terminar de digi.... Eita! Telefone tocando.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Aprendizagens da Vida

Capítulo de hoje: Aprendizagens da Vida!

Ontem, voltando do hospital com mamys, que está em processo pré-cirúrgico, entra um senhor na lotação:
"Boa Noite!" - Ninguém respondeu!
Ele insisti - "Boa Noite. Por educação, me olhem e falem comigo". Não consegui notar se alguém respondeu, eu apenas o ouvia e não conseguia ver a sua face.
Ele, por sua vez, começa a falar e, embora alguns o ouvia ou apenas o escutava, acredito que nenhuma pessoa, ou talvez uma, o direcionava o olhar.
Ele dizia que um dia teve uma casa, era farmacêutico e se não me engano, tinha formação em Matemática, ou entendia muito sobre o assunto... Falava muito! Sobre muitas coisas...

As pessoas foram descendo da lotação e ele se senta. Direciona o olhar pra mim e começa a falar, repete as mesmas coisas e diz que é muito emotivo. Se lembra de uma situação de sua vida, em que se despede de sua mãe - ele chora - Lembra do gesto que tanto fazia sentido em sua infância, mesmo gesto que executou no enterro de sua mãe.
Seu discurso era confuso, parecia beirar a loucura, parecia ter ingerido um pouco de álcool, mas era um ser bem lúcido. Em minha mediocridade de ser um humano, senti vontade em não olhá-lo mais, porém, era a única pessoa que o dava atenção. Pensei - por que eu queria não olhar para aquele homem? Por que as pessoas que ali estavam não o olhavam?
Continuei a escutar - "Eu já fui da classe média alta. Mas eu vou te dizer, eu não gosto de gente rica. O pobre é o que mais doa, pode ser o que for, um prato de farinha que seja" - em meio á uma fala ou outra, ele se lembra de uma música do Roberto Carlos. Canta! E continua - "Eu nunca roubei uma agulha que fosse. Na verdade, esta semana roubei sim, roubei uma flor, uma flor para a minha amada. Por que eu também amo. Me perguntaram se valia á pena, roubar uma flor e respondi 'tudo vale á pena quando se ama'. Eu amo, eu sou um apaixonado! Ontem, uma mulher me disse que eu era um fedido, mas hoje não estou fedendo, eu tomei banho e até troquei de roupa, olha, consegui até fazer a minha barba. Eu não estou fedendo mais... Eu não estou fedendo mais... Eu passo muita fome ás vezes... Eu só quero voltar a fazer parte da sociedade. Desta sociedade. Eu sou a sociedade, mas hoje, eu não faço parte dela".

Então, levantou-se e deu o sinal! Olhou-me e disse "Vá com Deus minha filha e obrigado por me ouvir!"

Eu queria perguntar tanta coisa. Como aquele senhor chegou naquela situação? Que vida aquele homem teve? Qual vida aquele homem tem?

Mas, apenas respondi - "Vá com Deus também" e fiz um gesto de agradecimento.

Comecei a pensar o quanto aquele senhor me fez refletir - um homem que parece ter parte de sua dignidade pautada em um banho. Um 'simples' banho e uma barba feita. "Eu só quero voltar a fazer parte da sociedade" - essas palavras ficaram gravadas em meu coração.

Começo a me questionar, POR QUE AQUELE HOMEM? POR QUE EU? O que me diferencia daquele senhor? Parece um espelho... Um espelho que muitas vezes permanece na escuridão, por não querermos enxergar o que é desconfortável, o que causa náusea, angústia, medo... Sim, eu tenho muito daquele homem. Mal sabe ele, que também busco este lugar na sociedade... Talvez a minha busca seja um pouco 'menos desconfortável', ou talvez 'mais alienada'. Talvez a sua busca seja 'mais livre', ou 'menos fácil', enfim... Aquele homem é uma parte de quem sou.

Sei que muitos não lerão, por conta do tamanho do texto. Mas, me ative aos detalhes e compartilho por acreditar que esta minha vivência, depois de tudo o que venho buscando, pode servir de reflexão para a existência de muita gente.

Um banho! Um lugar na sociedade! Um homem que ama...

Scheila Leandro

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Bafo

Bafo... Palavra descaracterizada do seu sentido literário por conta do sentido popular: mau hálito. Mal sabem as pessoas que bafo, pode ser um sopro brando, um ar expirado pela boca e até mesmo um ar quente que sai do onibus lotado na face pessoa que está no ponto no momento que a porta. Abre. Pois é, o mundo é dos espertos ou como diz Clarice Linspector "O mundo é dos bobos". Eu diria mais, diria até que é dos burros, porque os burros que se consideram burros, nunca estão satisfeitos com seus míseros conhecimentos e correm atrás de mais.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Motivação

Por muito tempo, escrevia para que eu fosse lido ou de alguma forma ser ouvido, por isso, passava tempo eu desistia de escrever por não ter alcançado meu objetivo: Ser lido...
Agora não. Agora vou escrever para quem quiser ler e não para ser lido. É diferente.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Vivendo e não aprendendo

Desde que escutei a música da banda Ira! chamada "15 anos", sempre quis fazer essa postagem. Mas não entendia muito bem o porquê de querer tanto escrever, e é justamente essa frase "Vivendo e não aprendendo" ...
Até hoje ainda não sei bem o motivo de querer tanto comentar sobre isso. E então resolvi, sem antes escrever em um papel, mandar direto para o blog.
"Que se diz maduro. Que se diz seguro"
Junto de "Eis o homem" frase de Pilatos.

Postagem confusa xD ... Vamos desenrolar...

Por vezes percebo que quanto mais aprendemos, mais nos tornamos "ignorantes". Pois pessoas já tinham esse conhecimento. Ou então, antes de você ensina-las elas estavam tentando te ensinar. Não nos deixamos ser ouvintes. Escutei esses dias a frase: Falar é de Prata, mas o silêncio vale Ouro!
E é justamente nisso que comecei a fazer exatos 2 dias depois da frase e descobri o que é que tanto lateja na minha cabeça sobre "Vivendo e não aprendendo" e é justamente a palavra, sentimento, força de vontade, disposição, a coragem, o querer ter P-a-c-i-ê-n-c-i-a.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Sarau Cooperifa

Lugar novo, pessoas novas, novas descobertas. Chegando aqui já saquei que é um lugar com muitas mentes brilhantes e sobretudo criativas, já de cara escutei informações, palavras, poemas, poesias que posso até não lembrar de todo o conteúdo, mas sei que falavam do cuidado com as crianças, cuidado para ter uma vida digna de ser vivida, um beijo tem que ser dado não se importe a quem, verdades ditas ao governo e logo no primeiro dia as palavras de Dona Edite...
13 Anos de Cooperifa, 22 anos de Vida e nunca tinha ouvido falar daqui, a não ser em alguma música do Crioulo que agora não me vem o nome e de um brother que conheci a algum tempo. Talvez para aprender que tenho que abrir meus horizontes ou somente perceber que os horizontes não estão tão distantes, como por exemplo estão aqui nesse lugar!
Um lugar para voltar apesar do sono, distancia, trabalho, dia a dia, crianças correndo sem querer estudar, danca, musica, teatro, circo e tudo isso será abastecido aqui; no Cooperifa.
No mais, agradeço os idealizadores desse segmento e também, como ele mesmo diria: Satisfação ao James Bantu pelo belo convite.